Esmola: uma via de salvação

Diante do contexto socioeconômico atual, é impossível não notar a desigualdade entre as pessoas, no que diz respeito as condições dignas de vida. No entanto, ainda há pessoas que negam essa realidade, tratando-a meramente como pauta ideológica; outras fecham seus corações diante da proposta evangélica de acolhimento dos pobres. Por essa razão, no presente artigo, quero expor uma prática antiguíssima, pautada na palavra de Deus e livre de ideologias, que levou milhares de pessoas à salvação, a qual temos a necessidade de retomá-la ou reforçá-la em nosso tempo: a prática da ESMOLA!

Mas antes de prosseguirmos é preciso entender o significado desta palavra: “esmola vem do Grego eleemosyne, ‘piedade, mercê, favor’. Em Grego Eclesiástico, adquiriu o significado de ‘donativo, caridade’.”¹ Por isso, “a esmola dada aos pobres é um testemunho de caridade fraterna; é também uma prática de justiça que agrada a Deus” (Catecismo da Igreja Católica, n. 2462).

Assim como a fé e a esperança, a caridade é uma virtude teologal. Desse modo, não podemos exercê-la como um mero assistencialismo – populismo assistencial –, ou como os ricos no templo, que colocavam no cofre aquilo que lhes sobravam – ação condenada por Jesus. Somos convidados a ser como a pobre viúva que colocou tudo o que lhe restava para o sustento – ação aceita por Jesus (cf. Lc 21,1-4). Sendo assim, ao darmos esmola, façamos como meio de santificação. Ao mesmo tempo que exercemos o bem na terra, ajuntamos tesouros perenes no céu.

O venerável André Beltrami considera a esmola como o banco mais vantajoso e infalível: “O próprio Deus, criador de todas as coisas, Senhor de todo o ouro do mundo, é o banqueiro, que não pode falir, e é fiel a pagar os juros. Os agentes do banco são os pobres, que recebem em nome dele.”² Tendo consciência de que ao agirmos com benevolência em favor dos mais humildes e desvalidos, estamos acolhendo o próprio Jesus, e agindo de tal forma, possibilitamos que a graça de Deus atue em nós. O que depositarmos nesse banco, se multiplicará cem vezes mais nesta vida e na outra, pois “Deus é infalível e nos enriquecerá no tempo e na eternidade”³.

Na história da salvação, antes da vinda de Jesus Cristo, Deus quis salvar seu povo, também, por meio da caridade. O livro do Deuteronômio deixa claro que: “nunca faltarão pobres na terra, e por isso dou-te esta ordem: abre tua mão ao teu irmão necessitado ou pobre que vive em tua terra” (Dt 15,11). Isso não significa que devemos fechar os olhos diante das realidades de indiferença social existentes na sociedade: poucas pessoas com muito, a maioria com o essencial/básico e outras com quase nada para viver. Não devemos fechar também, o coração, caso contrário, ouviremos do Senhor a terrível repreensão: “Retirai-vos de mim, malditos! Ide para o fogo eterno destinado ao demônio e aos seus anjos” (Mt 25,41), dirigida aos que não se compadeceram dos mais pequeninos, e se apegaram completamente as riquezas e prazeres deste mundo, vivendo na comodidade e não praticando a caridade.

No Novo Testamento, Jesus institui um novo mandamento: “Amai uns aos outros, assim como eu vos amei” (Jo 13,34). Ele expressa esse mandado nas suas ações: multiplicando os cinco pães e dois peixes (cf. Jo 6,11); obedecendo o apelo de Maria: “Fazei o que ele vos disser!”, não permitindo que faltasse vinho, nas bodas em Caná (cf. Jo 2); ensinando a hospitalidade: “Quando deres uma ceia, convida os pobres, os aleijados, os coxos e os cegos” (Lc 14,13); e ainda, dizendo: “Quem tem duas túnicas dê uma ao que não tem e quem tem o que comer, faça o mesmo” (Lc 3,11). Enfim, este breve escrito não é suficiente para descrever o quão Jesus exerceu o seu próprio mandamento na forma de caridade, assim sendo, “valham esses exemplos e as palavras do Divino Redentor para fazer-nos amar a caridade e a esmola!”4

Na obra A esmola, Padre Beltrami continua dizendo: “É impossível salvar-se um rico que põe sua esperança nos bens da terra e não é caridoso.”5 Da mesma forma, afastam-se da salvação, os pobres que se revoltam contra Deus e a vida, tornando-se ricos de coração. Tanto os ricos, quanto os pobres, precisam se desapegar do orgulho e da avareza, e viverem como pobres de espírito. “Bem-aventurados os que têm um coração de pobre, porque deles é o Reino dos Céus!” (Mt 5,3).

O Compêndio da Doutrina Social da Igreja Católica, nos esclarece acerca da caridade: “Dentre todos os caminhos, mesmo os procurados e percorridos para enfrentar as formas sempre novas da atual questão social, o ‘mais excelente de todos’ (1Cor 12,31) é a via traçada pela caridade” (CDSI, n. 204). As riquezas existem para serem partilhadas. “A salvação cristã é, efetivamente, uma libertação integral do homem, libertação da necessidade, mas também em relação às próprias posses” (CDSI, n. 328). E ainda, “as riquezas realizam a sua função de serviço ao homem quando destinadas a produzir benefícios para os outros e a sociedade (…). Na visão de São João Crisóstomo, as riquezas pertencem a alguns, para que estes possam adquirir mérito partilhando com os outros” (CDSI, n. 329).

Em toda história da Igreja, temos exemplos de santos e santas que chegaram aos altares, por tamanho amor a Jesus – exercendo a caridade –, até mesmo quando não possuíam nada para saciar a fome ou a necessidade dos pedintes, davam seus pertences. Mas, o que levava essas pessoas a agirem desse modo? Todos eles compartilhavam o mesmo sentimento: Cristo está presente na pessoa do pobre, do faminto, sedento, peregrino, despido, enfermo, preso (cf. Mt 25,35-36). Assim como Ele mesmo diz: “Todas as vezes que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, foi a mim mesmo que o fizestes” (Mt 25,40).

O Venerável Irmão Francisco Perez, conde de Verona-Itália, vendeu tudo o que tinha, doou todas as suas posses aos pobres, e comprou uma vassoura, para desempenhar os serviços mais humildes ao lado de São João Calábria. Este, por sua vez, foi considerado pelo Papa Pio XII, campeão de caridade evangélica. Ambos depositaram todos os bens no “banco” da Providência aqui na terra, e acumularam “juros” no céu, onde não consome nem as traças nem a ferrugem, e os ladrões não furtam nem roubam (cf. Mt 6,20). A esmola, no entanto, não é somente dar tudo o que nos pertence, mas, também, é colocar à disposição dos irmãos até mesmo o pouco que possuímos.

Não precisamos ir tão longe para vermos exemplos de amor e caridade ao próximo. Santa Dulce dos Pobres, com grande mérito, ficou conhecida antes mesmo de ser beatificada, como: o Anjo Bom da Bahia. Pelas ruas de Salvador, a santa amparava todo e qualquer tipo de “Jesus” que encontrava. Desde os famintos aos doentes, de crianças a idosos, e acolhia-os no galinheiro do convento – onde se encontra o hospital Santo Antônio –, dava-lhes comida, remédio, atenção e afeto. E assim ela afirmava: “O importante é fazer a caridade, não falar de caridade. Compreender o trabalho em favor dos necessitados como missão escolhida por Deus.”6

Jesus Cristo nos transmite, sobretudo aos ricos, o seguinte: agora é o tempo de dar esmola, não adiemos a oportunidade para amanhã. “Não nos cansemos de fazer o bem; se não desanimarmos, quando chegar o tempo, colheremos” (Gl 6,9). “Determinemos, pois, dar esmola em vida enquanto temos tempo, forças e meios, e não deixemos para fazer na hora da morte”7 ; nem mesmo um copo d’água concedido a alguém, será esquecido no dia do juízo. Aos ricos, porém, o Evangelho é claro e não há meio termo: “ou esmola ou condenação.”8

Vale ressaltar, a passagem que diz: “Quando deres esmola, que tua mão esquerda não saiba o que fez a direita. Assim, a tua esmola se fará em segredo e teu Pai, que vê o escondido, recompensar-te-á” (Mt 6,3-4). Tudo deve ser feito no escondimento. A caridade perde seu valor automaticamente quando a fazemos para aparecer. Portanto, em tudo seja glorificado o nome do Senhor e que nossas obras sejam somente para engrandecer o Reino de Deus.

Certamente a graça de Deus, enquanto “Banco Infalível” e provedor de vantagens, cairá sobre a vida e a família dos que adotarem essa prática; dará também a recompensa imperecível no céu. Mas, por onde começar? Basta ter interesse e disposição. Comece na primeira oportunidade, individual – a alguém próximo a você, por exemplo –, ou em grupo. A Igreja Católica é a maior instituição de caridade do mundo, localize na sua cidade, bairro, comunidade, alguma instituição ou movimento ligado as paróquias, congregações etc. e faça parte. Doe, seja benfeitor, ofereça mão-de-obra. Há um ditado bastante conhecido: “o pouco para Deus é muito”. Faça o pouco e a Providência multiplicará.

Por fim, “a vida presente é uma viagem para a eternidade. O rico que deseja encontrar os seus bens na cidade do paraíso, dê-os aos pobres, que são os banqueiros do Senhor.”9 As almas, dos pobres e dos ricos “formarão o seu júbilo e a sua coroa por todos os séculos. Então ele bendirá a caridade feita e enteará um hino de perene agradecimento ao Altíssimo, que lhe outorgou a graça de converter as riquezas terrenas em riquezas imperecíveis do céu.”10 “Feliz o homem caridoso e prestativo, que resolve seus negócios com justiça. Porque jamais vacilará o homem reto, sua lembrança permanece eternamente” (Sl 111 5,6)! Pratique a Esmola!

Jairo Ferreira de Melo,Postulante PSDP


1 ORIGEM DA PALAVRA. Disponível em: https://origemdapalavra.com.br/palavras/esmola/. Acesso em: 13 set. 2020.
2 BELTRAMI, André. A Esmola ou O Banco mais Vantajoso e Infalível. Santa Maria: Minha Biblioteca Católica, 2020. p. 12.
3 Ibidem. p. 14.
4 Ibidem. p. 67.
5 Ibidem. p. 71.
6 OBRAS SOCIAIS IRMÃ DULCE. Disponível em: https://www.irmadulce.org.br/portugues/religioso/frases-e-oracao. Acesso em:16 set. 2020.
7 BELTRAMI, André. A Esmola ou O Banco mais Vantajoso e Infalível. Santa Maria: Minha Biblioteca Católica, 2020. pp. 117-118.
8 Ibidem. p. 108.
9 Ibidem. p. 123.
10 Ibidem. p. 122.

FONTE: wwww.pobresservos.org.br